Os leitores deste blog devem ter estranhado por que não escrevi sobre a morte de Armando Nogueira (1927-2010), torcedor do Botafogo desde 1945 – quando chegou do Acre – e o melhor e mais inspirado colunista esportivo do Brasil. Não escrevi por duas razões fundamentais: primeiro, porque já havia enviado para o site da ESPN Brasil, editado em São Paulo, um texto falando sobre ele; e segundo porque, a rigor, mesmo sendo seu companheiro de redação no JB, de 1963 a 1966, jamais troquei uma palavra com ele. Eu era apenas um iniciante na editoria de Esportes do JB, enquanto Armando Nogueira (foto Rede Brasil Atual) era, sem dúvida, o maior astro daquele grupo de jornalistas, ainda no prédio da Avenida Rio Branco, 110.
Sempre de paletó e gravata, muito bem vestido, Armando Nogueira chegava à redação apenas para entregar sua coluna ao editor de Esportes, primeiro Marcos de Castro, depois Oldemário Touguinhó (1934-2002). Sem qualquer sombra de crítica, Armando Nogueira não perdia tempo conversando com novatos como eu. Preferia trocar idéias com jornalistas mais veteranos, como Marcos de Castro, Oldemário Touguinhó, Sandro Moreyra (1919-1987), Dácio de Almeida (1938-1987), Mauro Ivã Pereira de Melo ou Sérgio Noronha. A rigor, jamais soube que eu era alvinegro e fã de suas colunas no JB (‘Na Grande Área’) e de suas participações na Resenha Esportiva Facit, da TV-Rio, ao lado de João Saldanha (1917-1990), Nélson Rodrigues (1912-1980), José Maria Scassa (1920-1975), Luiz Mendes e de outros integrantes.
Quando ele se foi para a TV Globo, em 1966, aí é que minhas chances de conversar com ele desapareceram. Quando Sérgio Augusto (outro botafoguense) lançou seu livro ‘Botafogo, entre o Céu e o Inferno’, encontrei Armando Nogueira na fila de autógrafos e o cumprimentei. Ele me olhou de alto a baixo, como se eu fosse um estranho no ninho, e disse apenas ‘Como vai?’. Ora bolas, o que teria eu para falar de contatos e conversas com um cronista tão brilhante que sequer me conhecia? Nada, rigorosamente nada – sem que isso, por favor, representasse qualquer espécie de máscara por parte dele. Em poucas e resumidas palavras, ele, Armando Nogueira, não me conhecia e não me cumprimentaria sequer na fila de um hipotético ônibus.
O tempo passou, minha carreira prosseguiu, e aí sim, nas redações da vida, fiquei amigo de Sandro Moreyra, João Saldanha, Nélson Rodrigues (1912-1980), Cláudio Mello e Souza e tantos outros que brilharam e brilham na crônica esportiva, como os atuais Fernando Calazans e Renato Maurício Prado, os dois últimos de O Globo. Na matéria que escrevi para o site da ESPN Brasil, onde trabalho atualmente, limitei-me a relatar uma história curiosa ocorrida durante a Copa do Mundo de 1962, no Chile, envolvendo Armando Nogueira, Araújo Neto (1929-2003), Sandro Moreyra e Mário Filho (1908-1966).
Aproveitando-se de conhecer intimamente cinco titulares alvinegros daquela Seleção Brasileira, inclusive o preparador físico Paulo Amaral (1923-2008), Sandro inventou inúmeras histórias para Mário Filho e foi censurado por Armando Nogueira, que sempre foi sério e preciso em suas informações. Infelizmente esta é a verdade, não mais do que a verdade: não tive tempo de conviver com Armando Nogueira, a quem sempre admirei e de quem guardei o recorte de sua coluna, escrita em 1970, ‘Heleno, anjo e demônio’, no 11° aniversário da morte do grande e controverso centroavante do Botafogo de meu coração.
(*) Recebi do leitor Abdias Ferreira Neto o texto abaixo:
‘Tem coisas que só acontecem... com botafoguenses’
A Lua não precisava estar cheia, mas estava...
Não precisaria ter jogo do Botafogo numa pacata segunda-feira, mas tinha...
E os Deuses do futebol precisavam estar alegres – e estavam! Afinal, Armando Nogueira estava finalmente entre eles. Armando não era um Deus do futebol através de suas pernas, mas sim de suas mãos, fazendo com as palavras o que os jogadores mais qualificados fazem ou faziam com a bola. Alçando lançamentos de um parágrafo a outro, driblando com as letras e finalizando textos mágicos sempre com pontos finais precisos e certeiros.
Quis o destino que o ponto final de sua passagem pelo planeta bola fosse numa segunda-feira – pasmem – de futebol. E não poderia ser outra equipe a entrar em campo senão o seu Glorioso Botafogo de Futebol e Regatas, que aprendeu a amar recém-chegado ao Rio, vindo da sua terra natal, o Acre.
Na cidade maravilhosa, transformou um acre de terra em um pequeno lenço, para que Garrincha pudesse driblar seus “Joões”, como se estivesse num latifúndio. E assim foi sua vida, transformando esporte em poesia, futebol em poesia, futebol em sentimento; sentindo com o coração e amando com as palavras. Como sabia espalhar palavras num campo de papel com perfeita eficiência tática, com vibração, com técnica, com raça!
Como poderia ter futebol em plena segunda-feira? Numa pacata segunda-feira que normalmente só tem futebol através das palavras, comentários verbais e escritos, nos jornais da vida, nas televisões espalhadas nas casas dos torcedores...
Mas quis o destino que por ironia sua, um jogo da rodada não encontrasse horário nem espaço para ser disputado no fim-de-semana, e ficasse reservado para uma segunda-feira marcada pela despedida de um torcedor ilustre do time da “Estrela Solitária”, torcedor esse muito mais ilustre quando se punha a realizar seu ofício, de transformar grandes momentos esportivos em poesia.
Dizem que homenagens devem ser feitas em vida. Quando o Botafogo entrou em campo na noite dessa segunda-feira, com seu terceiro uniforme, dispensou a faixa negra pelo luto de sua torcida, por ser todo ele negro, Armando ainda devia estar numa dimensão muito próxima. Do alto, planando em uma silenciosa aeronave – sua outra grande paixão –, assistiu a homenagem de seu time: alem da camisa negra, guardada para poucas ocasiões, talvez nunca uma tão especial, viu os quatro gols da vitória do Botafogo e partiu, sorrindo, feliz e satisfeito. Tão satisfeito quanto às inúmeras vezes em que saiu do Maracanã ou de General Severiano, após ver seus heróis de camisas listradas em preto e branco tornando-lhe mais fácil sua arte de transformar futebol em poesia.
Abdias Ferreira Neto
(**) Por equívoco, em uma de minhas colunas, aqui no blog ou no site da ESPN Brasil, cometi o equívoco – minha memória não é de ferro, como costuma dizer José Inácio Werneck – que Flávio Costa (1906-1999) foi o técnico tricampeão carioca do Clube da Beira da Lagoa em 1953-1954-1955. Na verdade, o técnico tricampeão foi o paraguaio Fleitas Solich (1901-1984). Que me perdoem os leitores.