quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O botafoguense, por Nélson Rodrigues



Todos os torcedores de futebol se parecem entre si como soldadinhos de chumbo. Têm o mesmo comportamento e xingam, com a mesma exuberância e os mesmos nomes feios, o juiz, os bandeirinhas, os adversários e os jogadores do próprio time. Há, porém, um torcedor, entre tantos, entre todos, que não se parece com ninguém e que apresenta uma forte, crespa e irresistível personalidade. Ponham uma barba postiça num torcedor do Botafogo, dêem-lhe óculos escuros, raspem-lhe as impressões digitais e, ainda assim, ele será inconfundível. Por quê?


Pelo seguinte: - há, no alvinegro, a emanação específica de um pessimismo imortal. Pergunto eu: - por que vamos ao campo de futebol? Porque esperamos a vitória. Esse otimismo é o impulso interior que nos leva a comprar ingresso e vibrar os 90 minutos. E, no campo, o otimismo continua a crepitar furiosamente. Não importa que o nosso time esteja perdendo de 15 a 0. Até o penúltimo segundo, nós ainda esperamos a virada, ainda esperamos a reação.


Pois bem: - o torcedor do Botafogo é o único que, em vez de esperar a vitória, espera precisamente a derrota.Os outros comparecem na esperança de saborear como um chicabom o triunfo do seu clube. Mas o torcedor do Botafogo é diferente: - ele compra o seu ingresso como quem adquire o direito, que lhe parece sagrado e inalienável, de sofrer. Eis a verdade: - ele não vai a campo ver futebol.


O futebol é um detalhe secundário e, mesmo, desprezível. Ele quer, acima de tudo, desgrenhar-se, esganiçar-se, enfurecer-se e rugir contra Zezé Moreira. No dia em que retirarem do torcedor alvinegro o inefável direito de sofrer e, sobretudo, o direito ainda mais inefável de descompor o seu técnico, ele ficará inconsolável, como um ser que perde, subitamente, a sua função e o seu destino.


Tudo na vida é uma questão de hábito. E o cidadão que padece todos os dias acaba se afeiçoando ao próprio martírio ou mais do que isso: - o martírio torna-se insubstituível como um vício funesto. É o caso da torcida alvinegra que, desde 1910, sofre e, ao mesmo tempo, xinga Zezé Moreira. Conclusão: - já não pode viver sem uma coisa e outra.


Por exemplo: - o clássico de ontem, no Maracanã, foi o que se chama de jogo ideal para o torcedor do Botafogo. Já durante a semana, ele vivera mergulhado no pessimismo como um peixinho no seu aquário. E, ontem, finalmente chegou o grande dia: - a torcida alvinegra sofreu como nunca e rugiu, como nunca, contra Zezé Moreira. De fato, o Vasco exerceu um feroz, um maciço domínio de 80 minutos.


E mais: - o Vasco deu show, jogou bonito, brilhou escandalosamente como um Sol. No intervalo do primeiro para o segundo tempo, encontro um amigo botafoguense. Exultante com o próprio sofrimento e com o próprio furor, ele veio, para mim, de braços abertos. Do lábio, pendia-lhe a saliva pesada e elástica de uma cólera sagrada. Agarra-me e rosna-me, ao ouvido: - Esse Zezé Moreira é um tarado! E repetia, atirando patadas ao chão: - Tarado.


A princípio, pensei num crime sexual ainda impune, praticado nalgum terreno baldio. Pálido, quero saber por que tarado. Então, o amigo explica-me: - porque pusera o Bauer no lugar de Pampolini! E essa substituição parecia, ao meu conhecido, o sintoma inconfundível de uma tara tenebrosa. O diabo é que todo o esforço e todo o brilho do Vasco não renderam mais que um franciscano empate de 0 a 0. Acresce que, nos 10 minutos finais, o Alvinegro reage dramaticamente e quase ganha o jogo.


(*) Crônica publicada após um jogo de 1956 entre Botafogo x Vasco(**)


Agora pergunto eu, Roberto Porto: vocês concordam com o que Nélson escreveu?

20 comentários:

Malu Cabral disse...

Esse texto, Roberto, é simplesmente sensacional!

Eu sempre comentei que nunca vi um tricolor ler tão bem uma alma Botafoguense como Nélson Rodrigues.

Concordo, assino e dou fé!
hahaha!

Beijão!
Malu

Vinícius Barros disse...

Pra mim, ele escreveu m... com palavras bonitas! O torcedor botafoguense é, sim, diferente, mas nesse texto ele diz com todo sua classe que somos grandes SOFREDORES. Acho que o João Moreira Salles conseguiu retratar melho como é o torcedor do Botafogo, e ele divide de acordo com a história do time. Quem é do tempo de Garrincha, é de um jeito, quem teve que sofrer com os 21 anos sem título, tem outro jeito de ser e torcer, etc, etc, etc...!

Veja a entrevista em que ele diz isto:

parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=j_rti_HmxFw

parte 2: http://www.youtube.com/watch?v=g8_27-EI6Gk&feature=related

parte 4: http://www.youtube.com/watch?v=lBapGHNtFws&feature=related

ps.: não encontrei a parte 3!

Saudações Alvinegras!

Vinícius Barros disse...

ps2.: provavelmente, muita gente vai discordar de mim, mas mantenho a minha opinião!

Anônimo disse...

De braços abertos. Do lábio, pendia-lhe a saliva pesada e elástica de uma cólera sagrada. Agarra-me e rosna-me, ao ouvido. Será o Zezé o tarado? Ronaldo Rey-Carmo do Rio Claro mg

Anônimo disse...

Sou botafoguense desde pequeno e jamais vou concordar com o que esses "experts" dizem e pensam sobre o MAIOR TIME DE FUTEBOL DO PLANETA TERRA - O BOTAFOGO - É provável que Nelson Rodrigues tenha mudado de idéia a partir de 1957 depois do que o Glorioso fez com o time dele na final daquele ano. Para terminar,volto a perguntar por onde anda o ex goleiro Zé Carlos. Para mim, ele foi o melhor goleiro que vi jogar no gol do Botafogo. Creio que ele, mesmo sem ter sido campeão, ajudou e muito o Botafogo a ficar 52 partidas sem "perder prá ninguém!!! Saudações botafoguenses!!!

Anônimo disse...

Já disse isso anteriormente em outros fóruns, e particularmente, discordo dessa visão do grande Nélson Rodrigues. Afinal de contas ele era tricolor, time em que sua torcida, históricamente, tenta nos impor uma superioridade que para mim não existe.
E olha que não vivi a época áurea do nosso glorioso, e me descobri alvinegro em pleno jejum de títulos. E daí? O nome Botafogo fala por si só. É gigante, É apaixonante, É vibrante, É preto, É branco, É singular, É guerreiro... enfim como diz Armando Nogueira:
"É uma predestinação celestial".

Saudações

André Lira

Anônimo disse...

Amigo Porto, concordo em parte!
Somos bem desse jeito sim, mas não ao estádio esperando uma derrota. Posso até, me conformar com ela, mas isso só acontece um bom tempo depois.
Mão não nego o brilhantismo do grande Nelson ao falar dos torcedores alvinegros!

Saudações

Hewerton disse...

Qualquer coisa que um tricolor diga sobre o BOTAFOGO eu vou discordar sempre!

Anônimo disse...

É claro que não concordo. O "otimismo" deles com certeza é um disfarce. Eles têm um enorme medo do nosso crescimento, por isso insistem em nos depreciar constantemente. Botafogo sempre!

Anônimo disse...

Porto, você cumpriu fielmente seu trabalho de informar, e de continuar nos mostrando a história do Botafogo de Futebol e Regatas. O Nelson Rodrigues cumpriu fielmente seu trabalho de articulista e, apesar de tricolor, de retratar o dia-a-dia do futebol carioca. Temos de entender que em 1956 a situação era como a de hoje (guardando as devidas proporções): estavamos precisando de títulos. E nós, torcedores da Estrêla Solitária, estamos cumprindo o nosso papel de participar de maneira inteligente desse jogo de palavras. Devemos manter o alto nível dos debates, pois assim, continuaremos sendo diferentes; não sofredores, mas capazes de enxergar o óbvio ululante.

Anônimo disse...

Nelson Rodrigues escreveu antes da fase de ouro (1957-1968), acho até que o sofrimento é particular de qualquer torcedor fanático, porém acho que tem uma certa razão sim... o Botafoguense vai do céu ao inferno com maior rapidez que os outros torcedores...

Anônimo disse...

Concordo um pouco com ele..lembro de uma vez, eu e um amigo meu assitindo Botafogo e são paulo e estávamos ganhando o jogo por 3 x 1 e nos acréscimos faltavam uns 3 minutos..e estávamos nervosos e desesperados com medo do São Paulo ganhar o jogo..não empatar..ganhar..nós olhamos um pro outro e dissemos: tu reparou isso? 3 x 1 pra gente, faltam 3 minutos e estamos sofrendo? começamos a rir..

Anônimo disse...

Meu amigo Roberto Porto, eu não sei de nada ,após a 4 dose de red eu só sinto um amor cada vez maior pelo GLORIOSO e não é a toa que ele é chamado assim . Agradeço aos deuses do universo este amor celestial. Beijos aos que são iluminados . Artur Saldanha - RJ

Anônimo disse...

O que o NR descreve é verdade mas nao acho que se aplique so a botafoguense.... gostar realmente de futebol, ter um time do coraçao e realmente ama-lo, envolve aceitar essa montanha russa de sentimentos, as vezes contraditorios, imcomprehensiveis.
Gostar de um time de futebol é como gostar de Tango, Fado, Blues, todos generos musicais que enaltecem a tristeza, o sofrimento. O segredo é falar da tristeza, quase as vezes cultua-la, para depois saborear os momentos felizes como se fossem os ultimos da vida. Um bom exemplo disso que falo sao todas as torcidas dos times grandes que cairam pra 2a divisao....parece que o amor pelo clube aumenta, chega a dar orgulho de dizer "to na 2a mesmo!!" seja ele Botafoguense, gremista, atleticano, corinthiano.......

Abraços

Angelo

Anônimo disse...

Olha Roberto, esse texto é extremamente profundo!! Mexe nas entranhas do torcedor alvinegro. Agora, que nós vamos ao estádio para esperar a derrota eu discordo...... mas que vamos para sofrer, isto eu considero.

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

Por princípio, não dou muita importância aos comentários feitos por adversários... O Nelson, grande artista das letras, sempre escreveu suas crônicas com suas reconhecidas tintas tricolores.Discordo totalmente com o estigma de sofredor. Até aceito a máxima de que ser Botafoguense é sofrer no Paraíso (rsrs). Na realidade, até hoje os adversários não nos perdoam por termos tido craques da estirpe de Heleno, Garrincha, Nelton Santos e tantos outros. No íntimo eles trazem bem grardados o desejo de um dia virem se tornar Alvinegros...

Skorpio disse...

Caro Roberto Porto,
Nelson Rodrigues é sem dúvida nosso maior dramaturgo, um gênio! Ouso dizer que está à altura de muitos dos maiores dramaturgos do estrangeiros e só não é internacionalmente reconhecido por falta de maior divulgação.
Não concordo com Nelson Rodrigues quando diz que apreciamos o sofrimento. Somos sim diferentes, diferentes de uma manmeira difícil de explicar. O Botafogo é o único clube do Brasil que tem uma história rica em detalhes para ser contada e vem sendo contada por extraordinários jornalistas e escritores. Temos em nosso rol de torcedores expoentes da história, da política, do jornalismo, da música, da literatura e das artes brasileiras. O Botafogo teve em seus quadros muitos dos maiores jogadores do futebol mundial. Foi a base de uma seleção mundial bi-campeã do mundo.
Somos sim diferentes, e gostamos de ser assim.
Não temos a maior torcida do Rio de Janeiro ou do Brasil, mesmo porque como disse o próprio Nelson Rodrigues, não gostamos de unanimidades, pois concordamos com ele quando disse: "TODA UNANIMIDADE É BURRA".
Ser Botafoguense não é uma questão de gosto, não é um mero querer, ser Botafoguense é destino e destino quem impõe é Deus e, portanto, Deus é Glorioso, Deus é Botafoguense.
Nós, torcedores do Botafogo somos apenas mais realistas, mais centrados, menos medíocres e sem o fanatismo doentio dos adversários. Até quando sofremos, demonstramos nossa classe.
Gostaria de ver publicada no blog uma crônica escrita por Nelson Rodrigues sobre aquela goleada histórica e inesquecível em cima do Fluminense. O grande e inigualável Nelson Rodrigues certamente deve ter escrito uma crônica no dia seguinte àquela derrota do seu Fluminense.
Nenhum clube brasileiro, mesmo o Santos F.C. de Dorval, Mengalvio, Coutinho, Pelé e Pepe, é reverenciado hoje como o meu Botafogo de Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagallo.
O Botafogo tem casos, tem folclore, tem lendas, tem mitos, tem história, tem alegrias, tem tristezas e até tragédias, tem vitórias fantásticas e tem derrotas idem, teve os maiores jogadores da história do futebol mundial e grandes cabeças-de-bagre. Quando um Botafoguense senta-se ao lado de outro para uma conversa regada a um chope, o papo não tem hora para terminar. Acho que isso seria difícil acontecer com torcedores de outro clube.
Saudações Botafoguenses

Luiz Rogério disse...

Roberto,

Não concordo com o Nélson Rodrigues quando ele diz que o botafoguense vai ao estádio esperando a derrota, tendo a sina de sofredor.

Entretanto, concordo com ele quando diz que somos diferentes, isso somos mesmo! Pois como bem escreveu o amigo acima (Skorpio) "O Botafogo tem casos, tem folclore, tem lendas, tem mitos, tem história, tem alegrias, tem tristezas e até tragédias, tem vitórias fantásticas e tem derrotas idem, teve os maiores jogadores da história do futebol mundial e grandes cabeças-de-bagre. Quando um Botafoguense senta-se ao lado de outro para uma conversa regada a um chope, o papo não tem hora para terminar. Acho que isso seria difícil acontecer com torcedores de outro clube".

Forte abraço.

Saudações Alvinegras!!!

Luiz Rogério

Anônimo disse...

Olá Roberto:

Saudações alvinegras.

Opinião, cada um tem a sua. Como falou um dos últimos participantes, "ser botafoguense" é destino. Tem gente que nem sabe por que é botafoguense.
Entendo que o Nelson, no texto, não pretendeu fazer qualquer gozação como chegou a ser insinuado por alguns. O texto é simplesmente genial e, infelizmente, verdadeiro (pelo menos na visão de alguns, como eu).
Somos tantos os jornalistas torcedores do Botafogo e, muito raramente produzimos sobre o nosso clube algo tão próximo da realidade. Lembro Sandro Moreyra, João Saldanha, Achiles Chirol, Oldemário Touguinhó e até mesmo você, Roberto Porto. Se foi produzido algo parecido, ainda não é do conhecimento de muitos, como eu. Sou Jornalista profissional, atuo na área do futebol, já escrevi muito sobre o meu Botafogo, mas nunca tive a sorte de me aproximar tanto. Por exemplo: ver Lúcio Flávio jogando e lembrar de Gerson, não é sofrimento? E esse não é um bom sofrimento? Ver Maicosuel jogando e ter visto Nei Conceição jogar, não é sofrimento? Ver Castillo (ou Renan) e ter visto Manga e Wendell, não é sofrimento? E qual de nós botafoguenses não gosta disso? Não é nenhum demérito ser autêntico!